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  • Sexta-feira, 26 de agosto de 2005


    Vida Real


    George entrou no salão. O som dos hinos podia ser ouvido antes mesmo que ele encostasse o carro na porta da Igreja. Claro que a família dele usaria esse episódio para reforçar o absurdo que era ele se relacionar com aquela (nas palavras de sua vó) shiksa. Ele se considera muito ligado na sua religião, mas precisou perguntar para o rabino o que significava aquilo. Claro que o rabino ficou preocupado, porque uma palavra dessas não é dita gratuitamente, mas George disfarçou e disse que ouvira em um programa de TV.

    Tudo que o George conhece é o judaísmo. Ele sabe da existência de outras religiões, mas toda a vida dele girou em torno do Torá, inclusive sua vida social. Principalmente sua vida social. Ele aprendeu a estudar com judeus, comer com judeus, viajar com judeus, e se relacionar com judeus.

    Aprendeu muitas coisas boas da sua religião, adora os rituais, adora o rabino, a mesquita, as lições... mas aos 18, ele chega em uma encruzilhada: conheceu Jessica durante as férias da família, e Jessica não é judia. Mas é gente boa.

    A família não acha Jessica "gente boa". A família não conhece Jessica, mas sabe que ela não é gente boa porque não é judia. George aprendeu do rabino que, apesar dos judeus estarem ligados por muito mais que apenas religião, eles são tolerantes com outras crenças e pessoas, como as religiões devem ser e são. Mas como explicar a reação da família de George? Isso é tolerância? E como explicar algumas das piadas que ele ouve na rua, dos "judeus avarentos" e todo o mais?

    Ele queria questionar o rabino sobre o porquê da intolerância da família frente ao relacionamento dele com Jessica. Ele mesmo não entendia muito bem porque era tão errado, se era tão bom. E o que o rabino pensaria? Será que ele usaria a mesma palavra para Jessica? Ou alguma pior?

    A religião de Jessica, mal sabe George, não gosta da religião de George. Ao entrar no culto, George e Jessica sentaram, de mãos dadas, na penúltima fileira. O pastor passou os 40 minutos seguintes ressaltando o amor de Deus por todos, pregando pelo fim da violência, contra o mundo destruído em que vivemos e outros temas que fizeram bem para George ouvir em outro lugar que não a sinagoga. Talvez se sua a família soubesse como outras religiões são tão parecidas com a deles, eles mudariam de atitude sobre Jessica.

    Após o culto, o pastor até gostou da contribuição de George para a Igreja, mas torceu a cara quando soube que George era judeu. Começou a discursar, perguntando se George sabia o que os judeus fizeram a Jesus, como ele pode apoiar uma religião que não acredita no filho do próprio Deus vivo, e outras coisas. George não achou necessário discutir, dizer que Jesus mesmo era judeu, e preferiu o silêncio. O silêncio de quem ganhou tudo e perdeu em 1 hora.

    George sempre aprendeu a ter fé, assim como Jessica. Porém, foram ensinados a ter fé desde que dentro dos limites de suas religiões. Naquela noite, George pensou o que realmente era fé, se a coisa que ele mais acreditava na vida era o sentimento por alguém que não seria aceita pela sua religião. Se fé é acreditar no melhor, como pode ser errado acreditar no amor?

    Naquela noite, eles se despediram com um longo abraço. George deitou na cama, olhos arregalados a noite inteira, pensando como é possível acreditar em um deus que nos tira a fé. Em outro ponto da cidade, Jessica encostou na janela, olhou para as estrelas e não via mais Deus, só um monte de estrelas.


    (Fugindo dos clichês, seria muito fácil colocar um final feliz, mas a vida real não é assim. Nem poderia matar os dois, como Romeu e Julieta, já que continuar vivendo assim dói muito mais. - Rodrigo)