Sexta-feira, 29 de julho de 2005
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Para o bem da humanidade
O vento desarrumava os cabelos, mesmo com o gel firme e forte na cabeça. Era um dia meio cinzento, cheio de nuvens escuras e um frio misturado com uma fina garoa. Na rua, um monte de gente apressada corria para casa, para o trabalho, ou para o vendedor de guarda-chuva na esquina.
No alto do Edifício Clara Visão, sentado perto do parapeito, Clóvis sacou a Bic do bolso, tirou a camiseta branca do corpo e escreveu, no meio do peito, em letras garrafais: “SUPER-“. Aí é que tá: super-o quê? Precisava de um nome legal, que chamasse a atenção. Pensou, pensou, pensou e nada. Estava arrependido de não trazer uns gibis com ele, mas estava muito ansioso para lembrar deles. Bom, podia pegar alguns depois, só precisava pensar em algo provisório, que servisse para começar a servir a humanidade.
Como o nome não vinha, decidiu pensar nos super poderes. É, seria uma boa. Se souber o que ele vai fazer, vai achar um nome...por exemplo: um cara que estica? Homem-borracha!! Não tem muito que pensar. Então decidiu pensar em que habilidades especiais teria.
Ele poderia ter o poder de achar as coisas. As pessoas precisam de um herói assim...aquela chave que você podia jurar que estava debaixo do casaco, que de repente sumiu; isso provavelmente era serviço de algum malfeitor, que se deslocava no tempo e no espaço, mudando a chave para dentro de sua gaveta, para lhe confundir e lhe atrapalhar a vida. “Que plano maléfico!!”, gritou Clóvis, inconformado com a cara de pau desses bandidos.
Porém, achar coisas não resolveria o problema de muita gente, ele precisaria ter uma atuação mais ampla, fazer algo que beneficiasse uma parte maior da humanidade. Hmmmmm, e se ele tivesse o poder de devolver para as pessoas as palavras que sempre ficam na ponta da língua quando elas falam?
As pessoas nunca mais passariam apertos, se comunicariam melhor, guerras poderiam ser evitadas...isso faria um bem para a humanidade. Imaginava pequenos gnomos de planetas distantes, que roubavam palavras, pois elas serviriam de combustível para suas naves, repletas de armas de destruição capazes de reduzir q Terra a cinzas 30 vezes!!! O pensamento retorcia o estômago de Clóvis, que se perguntava como a humanidade conseguiu se cuidar sem alguém como ele por tantos séculos.
Mas isso também seria complicado...ele teria que saber todas as línguas do mundo, sendo que ele mal sabe o português. Como achar as palavras perdidas na ponta da língua de um chinês?
Droga, droga, droga!!! Cueca suja, palavrão, corrupção, gente que faz barulho quando come, mulher com dor de cabeça na hora do sexo, farol que demora para abrir, café que vem frio, cerveja que vem quente, imbecilidade, impotência, impaciência, fome, AIDS, guerra, dor de barriga!!!! Afinal, que mal mais aflige a humanidade??!?!?!?
De repente, algo na rua chama a atenção de Clóvis. Ele larga a camisa no chão, olha para a calçada 8 andares abaixo e vê uma velhinha sendo assaltada por um grupo de pivetes.
Um grupo de pivetes!!! Mas que audácia!!! Como podem, será que não sabem que existe um super-herói nas redondezas? Clóvis não se conforma, anda de um lado para o outro, angustiado porque uma velhinha em apuros precisa dele, e ele nem pensou no nome!!!
“Ah, que se dane”, pensou Clóvis. Pegou a camiseta, completou o escrito, que ficou “SUPER-SUPER”, e se lançou do parapeito, do alto do 8º andar.
No meio do caminho, lembrou-se de que, entre tantos poderes, não havia pensado no poder de voar. Foi a última coisa que passou pela cabeça, antes de cair em cima da velhinha.